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25 Mar 2019

“Acho que Tenho uma Perna mais Curta que a Outra. Devo Compensá-la?”

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“Acho que Tenho uma Perna mais Curta que a Outra. Devo Compensá-la?”

Diariamente nas nossas consultas deparamo-nos com estas perguntas: “Pode-me ver se tenho uma perna mais curta que a outra?”, “Como posso compensar isso?”, “Acha que isso afeta a minha coluna?”, “Posso continuar a fazer desporto por causa da perna curta?”.

Todas estas questões levam então à necessidade de esclarecer o que é uma “perna curta” e que implicações pode ter na vida dos nossos utentes. A “perna curta”, chamada cientificamente de dismetria dos membros inferiores, é uma condição em que as pernas não têm um comprimento igual, podendo essa diferença variar entre poucos milímetros até vários centímetros. Teoricamente quanto maior for essa diferença pior será a sintomatologia do utente estando associada a alterações do alinhamento postural. Esta é uma condição comum com uma prevalência de 70% na população (Green & Anderson, 1955), (Subotnick, 1981), (Woerman & Binder-MacLeod, 1984). A dismetria dos membros inferiores pode ser classificada etiologicamente como estrutural ou funcional, ou seja, verdadeira perna curta ou falsa perna curta, respetivamente. A dismetria estrutural resulta de uma alteração anatómica do fémur ou da tíbia (o osso é mais curto). A dismetria funcional é consequência de alterações do nosso sistema neuromusculoesquelético que leva a um desequilíbrio postural e ao aparecimento de uma perna curta para compensar este, ou seja, é uma consequência postural e não uma causa primária (Blake & Ferguson, 1992). 

Causas da Dismetria Estrutural

A verdadeira perna curta tem como causa alterações congénitas ou genéticas (como é o caso de patologias pré-natais ou diagnosticadas no nascimento ou anomalias ósseas anatómicas) e causas adquiridas (infeções, traumatismos/fraturas ou cirurgias) (Konyves & Bannister, 2005).

Consequências

A dismetria dos membros inferiores pode ser assintomática ou ter complicações secundárias associadas à individualidade de cada utente e ao seu grau de atividade.Murray e colaboradores (2017) propuseram identificar a correlação entre indivíduos com dismetria dos membros inferiores e alterações degenerativas ou osteoartrite na anca ou coluna lombar. Ao avaliarem as radiografias lombopélvicas estáticas de 255 adultos chegaram à conclusão que há uma forte associação entre indivíduos com pernas curtas e maior grau de artrose na anca e na coluna lombar (principalmente em L4-L5 e L5-S1). A dismetria dos membros inferiores também tem como consequência o aumento da dor irradiada em indivíduos com hérnia lombar diagnosticada (en Brinke, van der Aa, van der Palen, & Oosterveld, 1999). Em pacientes jovens, uma dismetria dos membros inferiores pode também estar relacionada com o aparecimento de escoliose na coluna (Sekiya, et al., 2018)Num estudo realizado por Eliks e colaboradores (2017) foram comparados dois grupos de indivíduos (19 com dismetria dos membros inferiores e 19 sem qualquer alteração do comprimento dos membros), chegando à conclusão que uma alteração do comprimento das pernas leva a uma distribuição anormal do peso do corpo. No entanto, as alterações posturais são compensadas com adaptações neuromusculares. Uma perna curta afeta a postura do corpo em todos os planos levando a compensações musculares e ósseas (Zhang, et al., 2017). Todas estas compensações podem ser incorretas, levando a dor em toda a coluna e cabeça, contraturas musculares, diminuição da mobilidade articular, artrose na coluna vertebral e membros inferiores e alteração da funcionalidade.

Por último, diversos autores referem que a dismetria dos membros inferiores pode provocar alterações no padrão de marcha, postura estática e equilíbrio postural, tendo como consequência a utilização por parte do corpo de estratégias compensatórias, podendo causar lesões aos indivíduos com esta condição clínica (Khamis & Carmeli, 2017), (Bangerter, et al., 2018), (Azizan, Basaruddin, & Salleh, 2018) , (Khamis, Springer, Ovadia, Krimus, & Carmeli, 2018), (Beeck, et al., 2019).


Diagnóstico e Tratamento

O método de referência para detetar uma verdadeira perna curta é através de uma radiografia (Reina-Bueno, Lafuente-Sotillos, Castillo-Lopez, Gomez-Aguilar, & Munuera-Martinez, 2017). Atualmente, diversos autores associam à radiologia o estudo do padrão de marcha e da postura estática para perceber se a dismetria está bem compensada pelo corpo do paciente ou não (Khamis & Carmeli, 2017).

O estudo da perna curta e o seu diagnóstico não é recente. Hoje em dia defende-se que qualquer dismetria dos membros inferiores pode causar alterações posturais ou do padrão de marcha (Khamis & Carmeli, 2018). No entanto, esta afirmação não nos permite relacionar o grau de dismetria dos membros inferiores com o risco de lesões futuras.Geralmente, o que a medicina defende é que uma dismetria a partir dos 7mm de diferença já pode ter repercussões futuras e o utente é encaminhado para o podólogo para a compensar com palmilhas, contudo a evidência científica atual gera controvérsia em relação a este assunto. Rauh (2018), ao realizar um estudo em 393 jovens atletas de corrida (corta-mato), concluíram que a dismetria dos membros inferiores não está relacionada com lesões relacionadas com a corrida exceto em jovens do género masculino cuja dismetria fosse maior que 15 mm. Outros autores referem que uma perna pelo menos 20 mm mais curta que o membro contralateral aumenta o risco de osteoartrite na anca, em indivíduos diagnosticados com osteoartrite no joelho (Kim, et al., 2018). Knutson (2005) concluiu que 90% população apresenta uma perna curta anatómica (média de 5.2 mm de desnível) e que se esta for menor que 15 mm não apresenta muita probabilidade de causar sintomas que exijam tratamento (Knutson, 2005). O mesmo autor noutro estudo também afirma que dismetrias funcionais inferiores a 20 mm de desnível provocam alterações posturais estáticas e requerem tratamento para eliminar possíveis alterações do sistema musculoesquelético (Knutson, 2005).

Com base nestes estudos podemos concluir que não existe um valor padrão de desnível que nos permita afirmar que uma dismetria de membros inferiores vai ter repercussões negativas no futuro ou não, ou seja, não podemos afirmar que uma perna curta tem consequências negativas à posteriori a partir dos 5 ou 10 ou 20 mm. É importante ter em conta que a associação do risco de lesão com o grau de dismetria depende de diversos fatores (género, se pratica algum tipo de desporto ou não, alimentação, peso, altura, atividade laboral, entre outros) e que a idade tem um papel fulcral. Uma perna curta anatómica em indivíduos jovens não terá efeitos negativos a curto prazo pois o corpo tem a capacidade de se adaptar, portanto a sintomatologia e o risco de lesão só irão aumentar a longo prazo. Em indivíduos mais velhos e já com alterações degenerativas, uma dismetria dos membros inferiores tem repercussões a curto prazo uma vez que esta tem como consequências principais alterações degenerativas nos membros inferiores e coluna, pelo que o risco de lesão associado ao grau de dismetria é evidente.Desta forma, podemos afirmar que o tratamento para uma dismetria dos membros inferiores inicia-se com um bom diagnóstico. Ao perceber se estamos perante uma falsa ou uma verdadeira perna curta a abordagem será diferente. Numa falsa perna curta o terapeuta tem como objetivo a aplicação de diferentes técnicas manuais e exercícios com o intuito de equilibrar o sistema neuromusculoesquelético, levando o corpo à sua simetria.

Numa verdadeira perna curta é necessário perceber se esta está bem ou mal compensada, quais as complicações secundárias associadas e qual a melhor estratégia de correção. Dependendo do utente, uma verdadeira ou falsa perna curta não necessita de uma compensação através de palmilha ou ortótese ortopédica (Campbell, Ghaedi, Tanjong Ghogomu, & Welch, 2018), podendo muitos casos serem tratados com recurso à Fisioterapia, Osteopatia ou RPG (Reabilitação Postural Global).

É fundamental avaliar cada utente e perceber qual a causa primária da dismetria, integrando uma avaliação estática e funcional com os meios complementares de diagnóstico e a sintomatologia clínica do utente.

Ângelo Alves

Fisioterapeuta e Osteopata

Bibliografia

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