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20 Jul 2020

Devo colocar gesso após um mecanismo de entorse da tibiotársica?

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Devo colocar gesso após um mecanismo de entorse da tibiotársica?

A avaliação após um mecanismo de entorse da tibiotársica é fulcral, dado que permite identificar as estruturas lesadas e a gravidade das mesmas. Proporciona a realização de um plano de tratamento e prognóstico específicos para cada situação. Esta primeira abordagem deve excluir a presença de fraturas e, caso existam, deve-se imobilizar o pé com recurso a gesso ou outro tipo de material ortopédico, como tala gessada ou bota (Kerkhoffs et al, 2012; Kerkhoffs, et al., 2013; Kerkhoffs, et al., 2013; Peterson, et al., 2013; van den Bekerom, Kerkhoffs, McCollum, Calder, & van Dijk, 2013; Doherty, Bleakley, Delahunt, & Holden, 2017; Vuurberg et al, 2018).

Atualmente, a evidência científica defende que, após um mecanismo de entorse da tibiotársica sem presença de lesões osteoarticulares, a imobilização total ou prolongada (4 a 6 semanas) com recurso a gesso, tala gessada, bota ou outro tipo de material ortopédico não é benéfica. Esta afirmação é unânime entre os autores e não tem sido modificada nem alvo de controvérsias nos últimos 20 anos (Kerkhoffs et al, 2012; Kerkhoffs, et al., 2013; Kerkhoffs, et al., 2013; Peterson, et al., 2013; van den Bekerom, Kerkhoffs, McCollum, Calder, & van Dijk, 2013; Naeem, et al., 2015; Doherty, Bleakley, Delahunt, & Holden, 2017; Vuurberg et al, 2018).

Deste modo, devem evitar-se o repouso e a imobilização prolongada. Estes nunca devem ser vistos como uma solução a longo prazo, devido às complicações secundárias que podem apresentar. Assim, utilização de gesso contribui para:

  • Défice de amplitude articular da tibiotársica;
  • Atrofia muscular de todo o membro inferior;
  • Processos de “compensações e tensões musculares” em todo o membro inferior e coluna vertebral;
  • Diminuição da força muscular de todo o membro inferior;
  • Tecido fibrótico indesejado resultante do processo de cicatrização dos tecidos moles;
  • Impossibilidade em mobilizar o pé, realizar treino de marcha ou um plano de exercícios pois o pé apresenta-se “fixo”;
  • Alterações marcadas no padrão de marcha;
  • Maior tempo de inatividade profissional ou nas atividades de lazer/rotina diária;
  • Maior grau de incapacidade funcional após retirar o gesso;
  • Diminuição da qualidade de vida do utente durante e após a utilização de gesso;
  • Atraso no processo de reabilitação após o mecanismo de entorse da tibiotársica.

(Kerkhoffs et al, 2012; Kerkhoffs, et al., 2013; Kerkhoffs, et al., 2013; Peterson, et al., 2013; van den Bekerom, Kerkhoffs, McCollum, Calder, & van Dijk, 2013; Doherty, Bleakley, Delahunt, & Holden, 2017; Vuurberg et al, 2018).

Perante estas complicações, a imobilização com gesso não é uma solução viável e é aconselhada a realização de um plano de tratamento precoce, permitindo uma reabilitação mais rápida e eficaz. Assim, o utente deve ser responsável por uma recuperação ativa, sem medo do movimento, evitar o uso de canadianas e aplicar carga no membro lesado assim que possível. A implementação de um plano de exercícios, em conjunto com o tratamento manual da fisioterapia, irá potenciar a mobilidade articular, força e proprioceção do tornozelo. Este tipo de tratamento apresenta melhores resultados a nível de dor, edema, amplitude de movimento, funcionalidade e qualidade de vida em detrimento da utilização de gesso (Kerkhoffs et al, 2012; Kerkhoffs, et al., 2013; Kerkhoffs, et al., 2013; Peterson, et al., 2013; Loudon, Reiman, & Sylvain, 2014; Naeem, et al., 2015; Doherty, Bleakley, Delahunt, & Holden, 2017; Vuurberg et al, 2018).

Quando necessária, a imobilização da tibiotársica na fase aguda deve apenas ser realizada através da ligadura funcional ou ortótese, durante um curto período, e este processo deve ser acompanhado por parte do fisioterapeuta (Seah & Mani-Babu, 2010; Kerkhoffs et al, 2012; Kerkhoffs, et al., 2013; Kerkhoffs, et al., 2013; Doherty, Bleakley, Delahunt, & Holden, 2017; Vuurberg et al, 2018).

Tendo em conta todos os aspetos descritos anteriormente, pode afirmar-se que a aplicação de gesso após um mecanismo de entorse da tibiotársica com ausência de fraturas vai atrasar o processo de reabilitação do utente, apresentando um impacto negativo na sua vida, não trazendo qualquer benefício no domínio da dor, edema, amplitude de movimento, força e funcionalidade da tibiotársica. Pelo contrário, a utilização de gesso pode trazer complicações secundárias desnecessárias num futuro próximo, tendo de ser sujeitas a tratamento fisioterapêutico, atrasando a recuperação do utente.  A imobilização prolongada e o repouso devem então ser vistos como fatores negativos no processo de reabilitação.

 

Luís Nascimento e Ângelo Alves

Fisioterapeutas e Osteopatas

 

Bibliografia

Doherty, C., Bleakley, C., Delahunt, E., & Holden, S. (6 de 1 de 2017). Treatment and prevention of acute and recurrent ankle sprain: an overview of systematic reviews with meta-analysis. Br J Sports Med, pp. 113-125.

Kerkhoffs, G. e. (20 de 4 de 2012). Diagnosis, treatment and prevention of ankle sprains: an evidence-based clinical guideline. Br J Sports Med, pp. 854-860.

Kerkhoffs, G., Rowe, B., Assendelft, W., Kelly, K., Struijs, P., & van Dijk, C. (2013). Immobilisation and functional treatment for acute lateral ankle ligament injuries in adults. Cochrane Database of Systematic Reviews.

Kerkhoffs, G., Struijs, P., Marti, R., Assendelft, W., Blankevoort, L., & van Dijk, C. (2013). Different functional treatment strategies for acute lateral ankle ligament injuries in adults. Cochrane Database of Systematic Reviews.

Loudon, J., Reiman, M., & Sylvain, J. (2014). The efficacy of manual joint mobilisation/manipulation in treatment of lateral ankle sprains: a systematic review. Br J Sports Med, pp. 365-370.

Naeem, M., Rahimnajjad, M., Rahimnajjad, N., Idrees, Z., Ali Shah, G., & Abbas, G. (2015). Assessment of functional treatment versus plaster of Paris in the treatment of grade 1 and 2 lateral ankle sprains. J Orthopaed Traumatol, pp. 41-46.

Peterson, W., Rembitzki, I., Koppenburg, A., Ellermann, A., Liebau, C., Brüggemann, G., & Best, R. (2013). Treatment of acute ankle ligament injuries: a systematic review. Arch Orthop Trauma Surg, pp. 1129–1141.

Seah, R., & Mani-Babu, S. (14 de 8 de 2010). Managing ankle sprains in primary care: what is best practice? A systematic review of the last 10 years of evidence. British Medical Bulletin, pp. 105-135.

van den Bekerom, M., Kerkhoffs, G., McCollum, G., Calder, J., & van Dijk, C. (2013). Management of acute lateral ankle ligament injury in the athlete. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc, pp. 1390-1395.

Vuurberg, G. e. (2018). Diagnosis, treatment and prevention of ankle sprains: update of an evidence-based clinical guideline. Br J Sports Med, pp. 1-15.

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