“Há cerca de 8 meses, quando regressava de levar o meu filho à escola, parei numa passadeira e o carro que vinha atrás não reparou e bateu-me. Apesar de não vir com muita velocidade, a verdade é que eu não estava nada à espera e fiz um gesto brusco com o meu pescoço. Felizmente, o cinto de segurança prendeu-me, evitando bater no volante, mas o pescoço não deixou de ir bruscamente para a frente e depois para trás. Desde então, nunca mais fui a mesma. As dores no pescoço e de cabeça não me largam. As noites já não são bem dormidas. Até o humor alterou.”
Whiplash ou Golpe de Chicote. Quais os fatores que nos permitem ter uma ideia antecipada de como irá ser o processo de recuperação?
O Whiplash ou Golpe de Chicote (GdC) é definido como um mecanismo energético de acelaração-desacelaração que é transferido para a cervical e normalmente associado a um acidente de automóvel. O choque pode ser frontal, lateral ou traseiro e a sua incidência tem aumentado, em parte devido ao aumento do tráfego mas também por fatores como o cansaço, noites mal dormidas e/ou sono em quantidade insuficiente, consumo de álcool ou outras substâncias, desatenção (desvio da atenção para o telemóvel ou outros). O impacto pode provocar várias lesões ósseas ou de tecidos moles, que poderá resultar em diversas manifestações clínicas.
Normalmente o GdC é classificado através da “Quebec Task Force” em 5 graus:
• Grau 0: Sem sintomas. Sem sinais físicos.
• Grau 1: Queixas cervicais, rigidez ou aumento da sensibilidade. Sem sinais físicos.
• Grau 2: Queixas cervicais e sinais musculoesqueléticos, como diminuição da amplitude de movimento e aumento da sensibilidade.
• Grau 3: Queixas cervicais. Sinais neurológicos como fraqueza muscular, défices sensoriais e diminuição ou ausência de reflexos ligamentares.
• Grau 4: Queixas ao nível do pescoço e fratura ou luxação de vértebras.
Com este aumento do número de casos, e com a elevada probabilidade de poder vir a desenvolver problemas futuros (cerca de 50?s pessoas que sofreram GdC), muitos deles incapacitantes, os autores Sarrami et al desenvolveram um estudo, no qual pretendiam verificar quais os fatores preditivos do resultado após este tipo de acidente. Estes autores concluíram que o prognóstico de vir a manter os sintomas por mais tempo ou mesmo a desenvolver problemas futuros está associado a fatores como a intensidade da dor, a incapacidade funcional, o grau do GdC (acima descrito), a hiperalgesia ao frio (dor exagerada ao contacto com um objeto frio), a ansiedade, a catastrofização, fatores de ordem legal e compensação monetária, após um GdC.
Os mesmos investigadores também verificaram que os achados radiológicos (lesões das estruturas cervicais visíveis numa radiografia) e os problemas/dor antecedentes ao acidente não estão relacionados com a possibilidade de vir a desenvolver um problema crónico. A esta lista podemos acrescentar fatores como a disfunção motora, o tipo de acidente, o género, a idade, a educação, a genética, o estado depressivo e o sofrimento psicológico.
Assim, se sofreu um GdC ou convive com alguém nessa situação, o que a evidência nos diz é que o prógnostico de poder desenvolver uma lesão crónica está associado a fatores como os sintomas pós-lesão e fatores psicossociais que surgiram na sequência desta situação e não com fatores fisicos, mecanicos ou antecedentes.
Fica a sugestão de recorrer a ajuda profissional o mais breve possível, controlar a sua sintomatologia após a ocorrência, para que não se torne crónico. Além disto, deve lidar de forma positiva com os problemas que resultaram do acidente.
E a fisioterapia pode ajudar?! Vamos ver o que nos diz a bibliografia.
O exercício terapêutico é o que demonstra ter maior evidência. Os exercícios devem ter como foco o aumento das amplitudes, alongamento e o fortalecimento muscular, da região cervical e escapular. Embora, por vezes, possa ficar mais dorido, a longo prazo parece ser a abordagem mais benéfica. Outra das abordagens com evidência de eficácia é a terapia multimodal, que incluiu a terapia manual e a educação ao utente. Esta demonstra ter bons resultados no tratamento da dor.
A minha experiência clínica diz-me que quando escolhemos as estratégias em função do nosso paciente, das suas preferências e da sua necessidade - frequentemente usando a terapia manual, o exercício, o ensino sobre como aliviar a dor, como evitar o agravamento, sobre o que é a dor e como agir de forma positiva para a ultrapassar e aconselhar em relação ao estilo de vida -, os resultados são habitualmente bons.
Mais uma nota final: É altamente recomendado que faça a sua vida normal. Os utentes que sofrem um GdC e voltam o mais cedo possível às suas rotinas normais conseguem reduzir a dor e incapacidade mais cedo que os restantes.
Se tem dúvidas coloque-as. Estarei deste lado para ajudar da melhor forma possível.
João Raimundo,
Fisioterapeuta e Osteopata